A Decisão.

— Você não vai e ponto! — Foi o ultimato que recebi antes de subir furiosamente as escadas e bater a porta as minhas costas com evidente descontentamento.

"Que droga!"

Esbravejei para o meu travesseiro quando meu corpo finalmente se chocou contra a cama, as lágrimas queimando para deixar meus olhos junto aos soluços que faziam meu peito doer toda vez que me forçava a abafá-los.

Não era justo!

Nas minhas mãos, agarrado tão firmemente à ponto de machucar, estava meu cartão recém, adquirido que comprovava meu despertar como um Elementalista Rank C, a prova de que eu tinha vindo ao mundo pra fazer algo mais do que só contar o dinheiro alheio, que eu tinha um propósito, uma razão pra existir um objetivo alcançar. Eu era um caçador!

Entretanto os constantes gritos e impasses com meus pais havia levado a uma proibição que não fazia o menor sentido. Levar uma vida segura? Isso era impossível no mundo atual, o perigo podia surgir a qualquer momento em qualquer esquina! E eu tinha o poder de parar isso! E quem disse que eu quero uma vida segura atrás de uma cadeira de escritório?

- QUE INFERNO! - Gritei dentro do travesseiro, esperando que minha frustração não alcançasse o quarto dos meus pais.

Aquele ponto minhas lágrimas já haviam encharcado a fronha e, fosse a tristeza, o ódio ou só o cansaço — talvez a mistura disso tudo —, acabei adormecendo.


Quando finalmente despertei, minha cabeça doía, demorei algum tempo para notar que já era muito tarde, nem mesmo o alarme conseguiu me acordar no horário para pegar a primeira aula da faculdade. O mais estranho é que minha mãe fizera o mesmo. Eu nunca a vi me deixar passar do horário nem na escola.

— Devo ficar aqui o resto do dia? — Inqueri para ninguém, agradecendo mentalmente pelo blackout manter a luz do sol afastada do meu quarto.

Como se para responder minha dúvida cruel, o toque do telefone cortou o silêncio do meu quarto e não precisei verificar a chamada para saber quem era, afinal, uma pessoa tão sem graça quanto eu não tinha muitos contatos.

- Caaaaaaaaaara isso é sério mesmo? - Eu tive que afastar o telefone do ouvido pra não ficar surdo com o grito de Doosin. - Você tá pegando fogo!!!!!

No início foi difícil interpretar a histeria de Kin Doosin porque eu não fazia ideia de que ele sabia que eu havia despertado, até porque ele não estava por perto na hora do incidente, mas aparentemente meu vídeo entrando em combustão em meio a uma avenida pouco movimentada acabou recebendo algumas milhares de visualizações na região. Fiquei famoso! Por algo que me foi proibido!

- Que bom que está animado por mim... - Murmurei e Doosin pareceu fazer silêncio por um segundo.

- Já vi que pegaram pesado!! - Disse seu tom mudando levemente. - Me encontra no parque em meia hora. Se não vier, vou te buscar! - E desligou.

Pra qualquer outra pessoa no mundo, aquele tipo de ultimato poderia ter sido ignorado, mas Kim Doosin era uma força da natureza a ser reconhecida e as coisas poderiam ficar ainda piores caso minha mãe tentasse impedí-lo de me ver, de modo que me ergui da cama e fui fazer minha higiene, coloquei meu cartão de caçador na carteira e desci as escadas me preparando mentalmente para o próximo ato daquela novela familiar.

- Vai sair, filho? - O tom cauteloso com que ela fez a pergunta me fez ter a impressão de que a pergunta que ela realmente queria fazer era outra.

- Vou encontrar com Kim Doosin - Disse passando por ela sem lhe dar seu característico beijo de despedida e imagino que deva ter partido seu coração...Bom...Agora estávamos empatados.

Estava prestes a bater a porta da frente quando ela me segurou pelo braço com certa força, talvez um apelo exagerado demais, mas que fui obrigado a ouvir.

- Você sabe que só estamos fazendo isso pelo seu bem, né? - Inqueriu, seus olhos vermelhos de uma noite que parecia ter sido muito semelhante a minha. Mas eu não estava ali para perdoa-lá de me privar de meus sonhos.

Sem responder, segui meu caminho, parcialmente magoado e culpado pela dor no rosto da minha família.