Nito Darby

“Testamento de Nito Darby”

Caros amigos de bosta, se estão lendo isso quer dizer que eu estou morta. “Good”. Intrinsecamente, desejo que todos vão à merda. Talvez seja um testamento longo, tenho muita coisa pra contar, para os preguiçosos de plantão marcarei seus nomes um por um, assim podem cochilar tranquilos enquanto escutam minhas palavras para os outros. Aos nomes que tem uma mancha de tabaco que acabo de derrubar na folha, não se sintam menos valorizados por isso, eu só não ligo o suficiente para trocar de papel. E aos que não estão citados aqui, sinto muito, você apenas não é tão importante quanto imaginou.

Primeiramente, Tae-Jin, deixo com você meu bem mais precioso, minha velha Harley Davidson estacionada no galpão. Ela está quase pronta pra voar por aí, tudo que falta é trocar a vela de ignição, e se você tiver sorte, talvez eu já tenha terminado de consertar no momento de sua leitura. É meu bem mais precioso, dívida nenhuma me faria vendê-la, e por isso acho que ninguém mais pode tê-la a não ser você. Afinal, foi aquele que me ensinou a pilotá-la e mais me auxiliou com a mecânica.

Seung-Ah, minha única amiga nessa cidade ainda estranha pra mim, me mostrou como de fato de viver em Seoul, levando uma verdadeira vida de malandragem e escapando das situações na base da lábia… Em fato, tenho quase certeza de que se eu estou morta agora, a culpa foi sua. E por isso eu digo, vá se @$#!%#. Mas ao mesmo tempo, não me arrependo de nada… Bom, talvez eu me arrependa de ter jogado cem mil no macaco naquela vez, mas fora isso, não me arrependo de nada! Obrigada por deixar  minhas noites pacatas mais divertidas, e por isso deixo contigo toda a mobília, roupas e acessórios na minha casa. Vá rápido! Pegue tudo e penhore antes que os ratos do banco o façam.

Citações honrosas: Para a moça filha do dono de cassino, que uma vez me deixou jogar a noite de graça, deixo-lhe uma ficha de poker, sem significado algum, apenas para que possa se lembrar de minha beldade. Já para o carinha do posto de conveniência, que tantas vezes me deixou levar as coisas de graça, me salvando da fome e necessidade, deixo-lhe o que ele sempre pediu e eu sempre neguei, meu número de telefone: (xx) xxxx-xxxx.

E por último, mas de longe a mais importante. A pessoa que me trouxe a vida para que eu me matasse de uma provável forma idiota, Mama. Me desculpe, eu estraguei tudo. Agradeço pela vida boa que me deu até os dezoito anos, e mais ainda por conseguir que eu viesse para a Coreia estudar Engenharia Mecânica com bolsa de intercâmbio, eu realmente não seria nada sem você. Mas me desculpe Mama, o motivo de eu estar escrevendo este testamento é pela mais pura burrice minha. Joguei a oportunidade fora, perdi o controle de minha e vida e quando percebi estava trancando o curso, afogando minha vida em bebidas, sexo, prostitutas, jogos de azar em cassinos, rinhas de galo robôs e dívidas, principalmente dívidas. O que antes eu chamava de curtir a vida agora percebo que a senhora estava certa nos telefonemas, eu só estava fazendo merda, e a propósito, sinto muito por desligar na sua cara naquela última vez, me sinto mal por isso agora, talvez tente te ligar quando acabar de escrever, não sei se você irá me atender.

As coisas ficaram feias Mama muito feias, minhas dívidas não são tão levianas como empréstimo bancário ou cartões de crédito. Me envolvi com criminosos, agiotas e todo esse tipo de gente. Não consigo pagar, a cada dia minha dívida aumenta e já se tornou uma rotina normal apanhar em um beco isolado de algum cobrador que eu já nem tenho mais como saber pra quem trabalha. Já apanhei para caras altos, baixos, de mãos nuas, facas e até uma loli já me espancou uma vez.

O fato é que por mais que eu esteja dada como morta, muito dificilmente meu corpo foi encontrado, pois eu vejo apenas dois finais em minha vida. Ou o Presidente Kim, homem para qual devo a pequena fortuna de um milhão de dólares (Gold), me jogou no rio com cimento nos pés para nunca mais ser encontrada, ou eu fui morta sem nenhum rastro em um desses portais.

Sim, foi algo incrível que aconteceu, de repente as surras pararam de doer, ao dirigir em alta velocidade podia discernir o trânsito como se fosse em câmera lenta, e mesmo a porta do galpão que tanto emperrava não se tornou mais um problema. Caçadores, foi o que encontrei na internet, já tinha ouvido falar mas nunca me interessado pelo assunto, sou uma caçadora! Ao menos foi a primeira vez que o Google não me diagnosticou com câncer, na verdade, essa foi a segunda opção.

Amanhã irei até a associação avaliar meu poder, espero que dê tudo certo, ou não… É estranho, mesmo aqui sentada em uma cadeira com um café já frio e escrevendo sobre minha morte, acho que nunca me senti tão viva.