Já fazia algumas semanas desde a última vez que meu pai havia me visitado. Com toda a mudança, a rotina havia ficado agitada demais, e apesar de ligar para minha família todos os dias, era difícil conciliar tempo para um abraço apertado neles. Fiquei surpreso quando peguei meu celular, ainda aos bocejos com hálito dos cookies devorados da noite passada e vi a mensagem de meu velho com sua imagem no canto.
Pai escreveu:Estaremos chegando por volta das 8. Espero que a casa esteja arrumada!
Os olhos piscavam lentamente, ainda encarando a tela como se fosse um enigma complexo. Era quase audível o som das engrenagens em minha cabeça funcionando no momento em que vi o relógio logo acima indicando que já era 7:48. —
O QUE?!?!?! — Pulei da cama junto com os lençóis. Do chão, uma calça de moletom surrada deveria servir como roupa naqueles 12 minutos que me restavam. Enfiava em cada uma das pernas enquanto ia saltitando até o outro lado do loft, que apesar de não ser tão grande, a organização do espaço havia sido muito bem aproveitada.
Ainda sem camisa, começava a escovar os dentes enquanto começava a jogar os pratos e copos dentro da pia, cuspindo a pasta de dente ali mesmo enquanto enchia a esponja de detergente. Esfregava com tanta força e velocidade que parecia como se fosse o rosto de uma criatura contra o chão, e ao mesmo tempo olhava em volta em busca de maiores falhas. —
Droga... Ainda tem caixas que não foram desmontadas. — Terminando a louça, corria até as caixas e ia empurrando-as até o armário, onde abriria e enfiaria tudo lá, fechando antes que desabassem tudo em cima de mim de novo.
Ouvia a campainha enquanto ainda estava com o esfregão em mãos. O coração disparado me fazia ficar atento se havia outra coisa desarrumada, mas já era tarde demais. —
Estou ouvindo seus roncos daqui, garoto! Espero que não tenha dormido tão tarde!! — A voz alta de meu pai era inconfundível, e jogando os esfregões de lado rapidamente ia até a porta, me atrapalhando um pouco ao colocar a chave. Abriria a porta juntamente com um largo sorriso, encarando o meu velho e minha mãe com aquele brilho nos olhos que eu sempre tinha. —
Otousan, okaasan!!! Chegaram bem cedo! — Com um abraço apertado nos dois, recebia o afeto de volta com um abraço igualmente firme, dando então espaço para ambos entrarem.
Notava rapidamente o olhar da minha mãe de um lado para o outro, como se estivesse passando um scanner em todo o ambiente. Uma gota de suor frio escorria de meu rosto, enquanto meu pai começava a puxar assunto. —
Até que não tá tão mal assim!! Quem diria que o meu garoto estaria se virando tão bem, huh?! — Ele me dava um puxão, esfregando o punho em cima de minha cabeça, deixando meus fios completamente bagunçados. Naqueles momentos eu me recordava de quem havia puxado o bom humor, pois a minha mãe, como podemos dizer, tinha certas características "equinas" —
Tá falando sério, Jacob? Essa casa está um chiqueiro!! — Ela passava o dedo na bancada como se fosse um agente da vigilância sanitária.
Ria meio envergonhado, enquanto meu pai acabava abstraindo as falhas encontradas por ela. —
E então, vamos indo?! Espero que tenha planejado um belo dia com seu velho! — Mais um abraço apertado era dado, enquanto minha mãe já ia ajeitando as coisas na minha cama. —
Vão indo na frente... Pelo jeito esse lugar precisa de um toque materno. Nos encontramos mais tarde aqui.Apesar de relutante, minha mãe acabava insistindo em deixar o lugar melhor apresentável e, quem sabe, preparar um jantar para o dia dos pais. Demos de ombros e acabamos saindo, afinal um tempo de pai e filho não seria uma má ideia. O bairro não era tão conhecido assim por meu pai, mas mesmo assim alguns fãs acabavam surgindo para pedir um autógrafo ou foto. Apesar de não ser tão famoso quanto os caçadores de Rank S, um Caçador de Rank A ainda era muito popular dentre as pessoas, afinal de contas eram muito mais acessíveis. —
Uma corrida até o parque, campeão? Ou essa perna de pirata tá com muito cupim pra bater um racha com seu velho?! — Começava a rir, dando um leve tapa em minha perna e deixado uns sons metálicos ressoarem. —
Provavelmente seus ossos tão mais enferrujados do que ela!! Vamos ver se ainda consegue correr sem sua bengala!!Não precisava nem dizer do quão humilhante havia sido perder de lavada pra um cara de quase o dobro da minha altura e o triplo do meu peso numa competição de corrida. Apesar de ser um Tanker, meu pai ainda assim era um Caçador de Rank A, então suas capacidades físicas e mentais estavam muito além de minha compreensão, e isso era visível quando ele se colocava à prova. Eu chegava arfando, enquanto ele nem demonstrava suor em sua testa. —
GHYAHAHAHAHAHAHA!! Não desanime, garoto, você ainda me enche de orgulho!! — Ele esfregava meus cabelos de um jeito tenro, como sempre havia feito. —
Pode não parecer... Mas eu tenho ficado ainda mais forte!! Queria poder te mostrar o quanto!! — Sua risada animada me indicava que planos eram elaborados em sua cabeça, e antes que eu pudesse imaginar o que era, ele já puxava pra uma direção. —
Tem uma academia de um conhecido meu não muito longe daqui!! Vamos até lá e me mostre a força desses punhos!! — Meus olhos brilhavam. Enfim ele iria me deixar mostrar minhas habilidades?!?! Era um sonho virando realidade!!!
Nossa chegada demorava um pouco, afinal a falta de senso de direção de meu pai era tão grande quanto seus músculos. O pessoal dava abertura para que pudéssemos entrar, e após alguns minutos conversando com velhos conhecidos, enfim liberavam uma área para que pudéssemos treinar. Enquanto me aquecia, meu velho apenas ficava me observando, com um sorriso tenro em seu rosto. —
Vamos lá!! Não pense que vou pegar leve por ser um velho, otousan!! — Sua risada ecoava no ginásio num misto de provocação, orgulho e humor.
Nosso treino durava por muito tempo. Golpes eram defendidos a todo momento, e poucos eram aqueles que causavam realmente alguma expressão significativa por parte dele. O suor deixava minha camisa colada e, para a minha alegria, conseguia ver suor saindo da testa de meu pai também. —
Parece que essa doeu, huh?! Pode desistir se quiser, eu vou te perdoar! Ghyahahahahaha! — Uma risada vinha dele também, ao mesmo tempo que estufava o peito e parecia emanar uma aura muito mais poderosa do que estava antes. —
GHYAHAHAHAHAHA!!! Eu posso fazer isso o dia inteiro, garoto!E se não fosse pelas ligações de minha mãe, talvez realmente fôssemos ficar o dia todo por ali. O fim do treino se resumiu aos dois deitados, um no lado do outro, no tatame enquanto olhávamos para o teto, tentando recuperar o fôlego. Como um "click", iria em direção de meus pertences e pegaria um pequeno embrulho, entregando para meu pai logo em seguida. —
Feliz dia dos pais, velho. — Curioso, ele pegava e abria o pequeno presente, pegando um relógio de prata escura que combinava perfeitamente com os tipos de roupa que ele costumava usar. Ele cutucava o vidro do relógio, aproximando da orelha com uma expressão meio decepcionada. —
É muito legal, mas... Eu acho que tá quebrado. — Receoso, me aproximava do relógio e observava ele funcionando perfeitamente, só percebendo que era uma brincadeira dele no instante em que ouvia suas risadas por eu ter caído na pegadinha. —
Ha ha, seu idiota. Mas eu atrasei em uma hora, pra vocês não chegarem tão cedo da próxima vez, Ghyahahahahaha!Com um abraço apertado, relembrava o quão especial todos aqueles anos eram ao lado dele, e o quanto eu havia aprendido com seu carisma ímpar. Meu sorriso era um espelho do dele, e o meu coração gigante era apenas um fragmento que ele havia me doado do seu próprio. Apesar de eu sempre sentir orgulho dele, era indescritível a sensação de ouvir as próximas palavras. —
Tenho muito orgulho de você, Gwyn. Agora vamos logo, antes que sua mãe resolva cozinhar nós dois pro jantar. — Voltávamos para meu apartamento à base de risadas e competições saudáveis, como todos os dias entre os homens da família Talbot.